terça-feira, 24 de maio de 2011

Os heróis da Educação

- Era hoje?
-  Sim, respondi à Diretora da escola que acabava de abrir sua porta e  me olhava com evidente surpresa. A Secretaria da Educação enviou um cronograma a todas as escolas contempladas pelo projeto de apresentações de espetáculos meus. Você deve ter recebido.
- E onde você quer fazer?
- Bem, eu não sei, não conheço a escola...
- Pode ser no refeitório?
- Pode, é só me mostrar onde fica.
- Não posso agora... é só seguir aqui que você acha. Vou lhe mandar alguém para ajudar a tirar as mesas, são bem pesadas.
Ela fechou a porta. Fui até o refeitório, vi onde poderia colocar meu cenário e comecei as várias viagens necessárias para trazer o equipamento guardado no carro. Entrar e sair da escola não foi difícil: o portão, completamente destruído, não fechava mais,  parecia mesmo querer anunciar uma  escola suja, bastante depredada e com crianças correndo e gritando por tudo quanto é lado.
Pensei que a realidade do ensino em lugares como este não devia ser fácil. O bairro era considerado um dos mais perigosos da cidade, com altos índices de consumo de droga e violência doméstica. A intenção da Secretaria de Educação ao me mandar nestes locais era justamente tentar trazer algo diferente para esses alunos.

Após várias viagens e como ninguém aparecia para me ajudar com as mesas, realmente muito pesadas, fui retirando-as sozinho. Depois de bastante esforço, consegui montar o equipamento necessário para a apresentação.
Pouco depois, as crianças começaram a entrar na sala. Parecia uma horda dos mongóis de Gengis Khan na hora da batalha, só que bem menos disciplinados. Correria, gritaria, brigas... Antes mesmo de começar o espetáculo já estavam invadindo o cenário e, como era de se esperar, a apresentação foi uma das mais difíceis que fiz em toda minha carreira.

Depois do espetáculo guardei tudo de novo no carro e voltei para casa pensando nas dificuldades que todos os profissionais da educação deviam enfrentar nesses ambientes. Para dizer toda a verdade, também estava preocupado com as minhas já que, alguns dias depois, outra apresentação estava marcada numa outra escola, no mesmo bairro, a pouca distancia da primeira.

No dia marcado, esperando o pior, me apresentei na frente do portão da segunda escola. Um guarda uniformizado perguntou meu nome.
- Eric, o Magicontador.
- Ah, sim, o Diretor está lhe esperando. Pode entrar.
Para minha surpresa, a escola estava em perfeitas condições. O diretor me recebeu calorosamente e me mostrou o local onde aconteceria a apresentação. Um palco simples mas amplamente suficiente havia sido montado e alguns professores estavam ocupados a decorar o ambiente. Os bancos estavam prontos para receber os alunos.
Pouco antes da hora marcada para o inicio da apresentação os alunos começaram a chegar, cada turma vindo tranquilamente seguindo seu professor. Todos sentaram ordenadamente, deixando os lugares da frente para os menores.
Como podem imaginar, naquele dia, aconteceu uma das melhores apresentações da minha carreira.

No caminho de volta para casa tive que reavaliar todos os pensamentos da semana anterior. A segunda escola encontrava-se no mesmo bairro que a primeira (não havia trezentos metros entre uma e outra), seus alunos sofriam dos mesmos problemas, das mesmas violências, da mesma precariedade. Estas no entanto pareciam representar dois mundos completamente diferentes. Quando a primeira entregava a imagem de um sistema educativo completamente abandonado, a segunda demonstrava claramente que a determinação,  o profissionalismo e comprometimento das pessoas que ali trabalhavam podiam mudar esta realidade.

Semana passada estive numa escola, onde, da mesma forma (as condições de trabalho não se comparam com as que descrevi antes pois os bairros e cidades não são os mesmos) pessoas comprometidas com seu papel de Educadores fazem a diferença. Ao entrar na escola Professor Nandi  do bairro Desvio Rizzo de Caxias do Sul, as crianças correram para me abraçar. Já me conheciam e, o que é mais importante, já conheciam meus livros, não só por tê-los lidos mas também trabalhados, estudados e interpretados. Todos sentiam-se envolvidos no projeto de leitura que culminava com as minhas apresentações e isto era, sem dúvida alguma o resultado do trabalho de todos os setores da escola:  Direção, biblioteca, professores, funcionários.
Este projeto demonstrou uma vez mais que uma equipe unida, perseguindo os mesmos objetivos consegue resultados maravilhosos.

Durante o dia que passei na escola, foram muitos os momentos de emoção, de surpresa que ficarão gravados na minha memória e coração e, mais uma vez, voltei para casa pensando no quanto estes profissionais são capazes de fazer a diferença.

Concordo com a professora Amanda Gurgel que, num vídeo agora famoso na Internet (http://youtu.be/yFkt0O7lceA), explica o quanto é injusto pedir a pessoas que ganham muito mal para ser, dentro da sala de aula, os únicos heróis da Educação. Ela está certa é claro, mas não podemos negar que estes heróis existem. Eu tive a sorte de encontrar muitos deles e fico imaginando o que estes profissionais seriam capazes de fazer se não tivessem que brigar sozinhos, se houvesse em todos os níveis da Educação, outros, muitos heróis como eles, com uma real vontade de fazer a diferença. Dá para sonhar, não dá?

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